domingo, junho 29, 2008

MORTE É FELICIDADE XVII


A COMEMORAÇÃO DOS MORTOS (Continuação)

c)o Dia de Finados

Ainda que convivamos com uma pessoa quase diariamente, se quisermos convidá-la para tomar uma refeição temos que previamente marcar, sob pena de não sermos satisfeitos no nosso convite. Sabemos que se trata de um encontro diferente, não ocasional, certamente festivo.
O mesmo se passa com o nosso convívio espiritual. Ainda que os desencarnados se manifestem todos os dias por este mundo, o certo é que faz todo o sentido que haja um dia destinado a nos encontrarmos, não em trabalho, mas em festa. Como tal, esse dia deve estar antecipadamente marcado para que todos, encarnados e desencarnados, estejam mentalmente preparados para o grande encontro.
Mas esse encontro não significa que precise das mediunidades para se justificar. Bem pelo contrário. Não são raras as pessoas que sentem um não sei quê, uma qualquer alteração na sua sensibilidade, quase dando-lhes a certeza de que foram visitadas por alguém do outro lado. Habituados como estamos ao toque físico, pensamos que a manifestação dos Espíritos só acontece a quando do uso dos médiuns. Urge perceber que não é porque se não vê uma Entidade que ela não se manifesta, e a mediunidade, tal como nós sabemos, não é capacidade só de manifestações exuberantes. A mediunidade também se faz manifestar através de sensações bem mais discretas, e esse não sei quê é uma delas.
Isto significa que, contrariamente ao que se pensa, o Dia de Finados não é encontro de lágrimas, mas de felicidade. É o dia da grande visita, da comprovação de que eles estão vivos, que sentem por nós o mesmo afecto e que, independentemente do seu estado, manifestam-no.
É o dia do traje a rigor, um traje mental de corações que se encontram. Esse encontro terá sucesso assegurado se o nosso ambiente for de recolhimento e silêncio. Os Espíritos não gostam de alarido, gritos, tristeza, mágoa. Ter em casa uma música ambiente muito suave, flores ao lado da fotografia do falecido, nesse dia, terá para ele um significado muito especial. Se fizer acompanhar o conjunto por uma prece de agradecimento a Deus, há certamente momentos de grande felicidade no lar.
Mas se por ventura alguém fizer desse dia uma romagem espalhafatosa em autêntica histeria, converte um dia de festa em dia de sofrimento. Nós, seres encarnados, temos uma tendência muito especial para estragar as coisas boas. O Dia de Finados é um dia de grande sentimentalidade, em que também as Entidades estão desejosas de nos visitar, movidas pelo pensamento dos que por cá ficaram. Não é porque o ramo de flores é um autêntico braçado que as Entidades ficam mais contentes.
Torna-se imperioso sabermos conviver, em alegria, com os que já partiram.
Barbara Diller

terça-feira, junho 24, 2008

MORTE É FELICIDADE XVI


A COMEMORAÇÃO DOS MORTOS (continuação)

b)“Dai-lhe, Senhor, o eterno descanso.”

Mas outra noção de descanso se impõe, mais incisiva e determinante para as comunicações: a paz. Ela pressupõe, curiosamente, esquecimento total da vida terrena. Isto significa que esquecimento é sinónimo de descanso. E isso também na nossa vida terrena. Precisamos de repousar, esquecer para termos paz. É a paz do perdão das ofensas, a calmaria própria do nada acontecer que perturbe. É isso a paz.
Estamos descansados quando conseguimos esquecer os problemas, já que não é possível viver sem eles. Para isso, inventamos uma série de técnicas, metodologias quais mecanismos de fuga, a fim de superarmos o que mais difícil é de esquecer com o objectivo de dominarmos a vida. São disso exemplo as meditações transcendentais de que muito se ouve falar, as meditações dos yogues, a espectacularidade dos mantras e suas demoradas repetições.
Do ponto de vista espírita, esta problemática está completamente fora de contexto. Os Espíritos não estão em eterno descanso. Isso não existe, não é possível, não é producente, não é desejado por ninguém.
Se o eterno descanso significar nada fazer, isso é completamente impossível, pois as Entidades trabalham, e muito. Quanto mais desenvolvidas, maior a sua aura, mais abrangente, mais luminosa. Isso significa que têm mais capacidades de trabalho, abarcam uma área progressivamente maior, e dão assistência a mais pessoas.
Se o eterno descanso significa esquecimento da vida terrena, isso não existe. A vida terrena é marco importante na vida de uma Entidade. Se a Terra fez parte do seu aprendizado, então é porque ela desempenha um papel decisivo na sua vida futura. Aliás, o modo como vivemos aqui é decisivo nas relações no além túmulo.
Se o eterno descanso significa entrar em juízo e sentir um arrependimento momentâneo e total dos erros que haja cometido, isso não tem qualquer consistência pois a morte não confere, num ápice, razão clara e profunda. A maioria das Entidades continuam a desencarnar sem o saberem. Não se julgue estranho passarem centenas de anos nesse estado. É a isso que se chama erraticidade.
A falta de prece no mundo é enorme, e com ela a falta de fé. Ora, são precisamente estes elementos que ajudam as Entidades a tomarem consciência do seu verdadeiro estado.
Se o eterno descanso significa perdão total, uma espécie de limpeza a seco, há que perceber que a morte é apenas uma mudança de roupagem e não um processo catártico. Morrer não limpa, apenas transpõe uma Entidade de um estado a outro.
Se o eterno descanso significa encontro com Deus, ingresso no paraíso, então todos quereríamos morrer, pois teríamos um total desamor pela vida. Morte não é subida, ascensão espiritual. Pelo contrário, muitas Entidades, ao desencarnarem, ingressam em mundos muitíssimo trevosos, bem piores que a Terra. Como exemplo, temos os homicidas, os suicidas, os falsos líderes religiosos e políticos, entre outros.
O que é, então, o eterno descanso, segundo o Espiritismo? Ignorância. O eterno descanso não existe porque tudo, no Astral, trabalha. O que existe é uma justa divisão do trabalho, equidade, parceria, cumplicidade entre tudo e todos, de tal modo que o inferior, apesar da sua condição, está abrangido pela mesma regra de justiça.
Ao desencarnar, uma Entidade ingressa no ambiente que lhe é próprio, desempenha as suas funções, e aprende a adorar a Deus acima de todas as coisas. Nada mais justo.

Barbara Diller

sábado, junho 14, 2008

MORTE É FELICIDADE XV


COMEMORAÇÃO DOS MORTOS (CONTINUAÇÃO)
a) matar o morto

As crenças populares deliciam-nos com suas narrativas transbordantes de episódios onde crença, imaginação e fantasia se misturam polarizando o pensamento com fim a aguçar-lhe o sentido da imortalidade.
Falar dos mortos assusta mas delicia, repele e atrai. Crer é mecanismo poderoso que afasta todas as hipóteses de explicação segundo as normas do mais comum equilíbrio, inventando fugas onde é necessário aguçar o instinto de sobrevivência. A crença é força enfeitiçante, provocadora das nossas capacidades, da nossa resistência, apelativa à nossa tranquilidade.
Assim, os mortos são os reis da fantasia, protagonistas sempre disponíveis a interferir nos nossos desejos, o alvo preferido dos longos serões na mística do lar, dormentes na sonolência do braseiro de lareiras vivas e brilhantes. Personagens do nosso inconsciente, moralistas e mestres educadores, pedagogos do insólito, do estranho ou do macabro, eles sentem os nossos desejos, de modo que se torna impossível escondermo-nos da sua presença.
Mas por mais saudade que os falecidos deixem em seus familiares, o certo é que o seu contacto nem sempre é benéfico. Seguir os desejos de alguém que se manifesta, deixando-o interferir na vontade, por e dispor nas mais comezinhas decisões é candidatar-se a ser enganado, levar uma vida de inferno.
Nas crenças populares, a comunicação dos mortos com os vivos tinha um dia específico para acontecer, ou seja, tinha encontro marcado. Ninguém esquece, certamente, o Dia de Finados ou Dia dos Fiéis Defuntos. Oriundo do paganismo, como tudo no cristianismo, era o dia em que, supostamente, os deuses se manifestavam, os heróis, os protectores espirituais, enfim, todos aqueles que se não viam desde a grande partida.
Embora pareça desfasado, o facto de ser celebrado apenas um dia específico do ano para a manifestação dos Espíritos, o certo é que, embora exagerado porque demasiado redutível, ele representa a noção de disciplina que é necessária face às comunicações com o Além.
Hoje precisamos, mercê da relativa vulgaridade que a comunicação espiritual está a sofrer, redisciplinar as comunicações. Precisamos de compreender que, se não há um dia específico para os Espíritos se manifestarem, por outro lado eles não o fazem a qualquer momento, nem em qualquer lugar. O recolhimento, a hora específica da meditação ou da prece, conferem-lhe respeito e amor.
Por isso, desde tempos perdidos no esquecimento, só os eleitos podiam comunicar com eles fora dos dias estipulados (Grécia e Egipto, por exemplo), os quais desempenhavam papel de sacerdócio. Esses eleitos consultavam os oráculos, sabiam ler o firmamento, descodificar os sinais mais ocultos. Todavia, nem sempre profetizavam ocorrências agradáveis, como era desejo do vulgo. Guerras e calamidades naturais faziam parte das suas profecias e adivinhações.
Ora, agradar aos defuntos resumia-se a afastar, por seu intermédio, todas as ocorrências desagradáveis e restabelecer a harmonia primordial. Mas não só. Agradar-lhes através dos rituais visava ainda remeter os falecidos para a sua verdadeira pátria, seleccionando-os, isto é, reservando para as comunicações apenas aqueles que se preocupassem com o bem estar dos vivos. Por isso, os ritos eram envolvidos em mistérios, uma vez que a grande sabedoria visava descobrir a origem e a ordem que preside a todas as coisas, distinguindo-a do caos. E isso só os mortos o sabiam.
Daí, por exemplo, os Mistérios de Eleusis, na Grécia, o Yoga e os Mistérios dos seguidores de Arjuna, na Índia, as aparições em Lourdes e Fátima, em França e Portugal (não está no âmbito deste trabalho fazer uma abordagem sobre se é ou não verdade que Sta. Maria apareceu realmente nesses lugares). Continua a prevalecer a ideia de que há alguém que detém a sabedoria daqueles cuja função é presidir ao equilíbrio espiritual, e sempre segundo os moldes do paganismo.
Posto isto, e retomando a linha condutora da nossa reflexão, os mortos não estão mortos, mas são seres muito vivos, mais vivos que os vivos, perigosos e demasiado envolvidos na vida alheia. Isto significa que o facto de o morto não estar morto, mas participar na viva dos vivos quando muito bem entende, acudindo aqui e ali aos problemas que vão surgindo, desde desastres naturais, a questões sentimentais, organização social, a tudo, enfim, cria problemas.
Os encarnados não querem uma participação qualquer, momentânea, inesperada, não solicitada. Ninguém quer sentir-se comandado. Interferência espiritual, sim, mas só e quando devidamente requerida. Por outro lado, os Espíritos têm demonstrado possuir razões que não são de todo claras. Comunicar com eles tem os seus perigos. Ninguém sabe o que pode acontecer, que razões os movem, que objectivos. Muitos tomam-se de identidades que não são a sua. Nos meios espíritas, não falta quem, nas Sessões, esclareça sobre os perigos da credulidade e do excesso de confiança.
Outros problemas surgem, ainda, mas mais recônditos. São eles o facto de fazer parte da natureza dos encarnados o sentirem-se, de alguma forma, comandados. O nosso apelo a Deus, em alturas críticas, é disso exemplo. Envolvidos pelo fenoménico díspare da Natureza, ou por sentirmos que nada nos acontece por mero acaso, reclamamos capacidades ao Alto, vontade própria, poder para decidir sobre os nossos desígnios. O descanso eterno que é desejado aos falecidos, no fim de contas, é também nosso.
É comum ouvir-se que as almas não devem andar por aí, errantes e perdidas. As crenças, com seus rituais e fórmulas, visam precisamente remetê-las para o seu verdadeiro lugar. O falecido deve ir viver no lugar que lhe é próprio, afastar-se do mundo terreno ao qual já não pertence.
Esta estrutura também faz parte do Espiritismo, é mesmo um dos seus pontos-chave. Os Espíritos, contrariamente ao que pensam os detractores desta doutrina, não devem manifestar-se, ou pelo menos não devem fazê-lo de um modo qualquer, em qualquer lugar, a qualquer hora, tal como defendiam os antigos. Os Espíritos devem obedecer a regras muito próprias de disciplina, tal como os encarnados, reduzindo as suas comunicações o mais possível, e tornando as suas mensagens de preferência não personalizadas mas sempre de cariz universal.
A diferença substancial entre as crenças e o Espiritismo reside no facto de este proceder a doutrinação, o que não acontece em outras formas de pensamento. Após ser doutrinada, a Entidade ingressa no seu verdadeiro mundo, o ambiente que lhe é próprio, e daí seguirá o seu aperfeiçoamento. Desta forma, o falecido deixa de manifestar-se, ou pelo menos de manifestar-se do modo abrupto em que o fazia, e, talvez um dia, reapareça mas já em moldes de paz e amor que não tinha até então.
A questão dos escolhidos, tão combatida pelo Espiritismo, não deixa de persistir. Se questionarmos quem deve doutrinar, ou quem deve fazer a prece de abertura de uma sessão constatamos que não é qualquer um. Contra isto, acrescente-se, os defensores de sistemas rotativos de preces de abertura e encerramento de trabalhos deparam-se, quer queiramos aceitar quer não, com a incongruência de semelhante metodologia uma vez que nem todos estão à altura de a fazerem. Casos há, porém, muito excepcionais, em que no grupo todos ou quase todos estão preparados para as mesmas tarefas. Quando isso acontece já aceitável o sistema rotativo.
Convenhamos que a inveja e a falta de amor de considerável número de Centros é a verdadeira responsável por métodos desfasados e incoerentes. Havendo respeito por quem ao Centro se desloca, e por quem assiste aos trabalhos do lado de lá, de certeza que esta questão não se colocará e cada um saberá quais as tarefas mais adequadas às suas capacidades.
Um fio comum trespassa todas as religiões e todos os movimentos, ou pelo menos assim parece: os mortos devem afastar-se dos vivos, isto é, do vulgo, deixando o contacto entre si para os eleitos. O Espiritismo afirma que todos podem ser bons aparelhos mediadores entre os desencarnados e a Terra, bastando para tal que lutem pelo seu melhoramento, se modifiquem interiormente e pratiquem a caridade.
Estamos certos, porém, de que com o decorrer dos tempos, mercê das alterações do nosso comportamento espiritual, a tendência das religiões será no sentido contrário. Quereremos todos que os mortos se manifestem mais e melhor, pois as capacidades mediúnicas dos encarnados estão a desenvolver-se de dia para dia, surgindo a todo o momento novas formas de manifestação e cooperação entre mortos e vivos. Os mortos estarão mortos, mas mais conscientes. Os vivos estarão certos de suas capacidades, reciprocamente mais abertos à realidade paralela que os visita.

Barbara Diller

domingo, junho 08, 2008

MORTE É FELICIDADE XIV


A COMEMORAÇÃO DOS MORTOS


O Funeral (Continuação)


“ Na tradição pagã, faziam-se oferendas aos mortos para os acalmar e impedir de voltarem para o seio dos vivos. As intervenções dos vivos não se destinavam a melhorar a sua estada no mundo atenuado dos Infernos.” (ARIÈS, P., 2000, P.174).
E de facto é isto que nos parece que continua a prevalecer, a ser um dos objectivos principais do funeral. Resta sempre um medo de que a cerimónia fúnebre não seja do agrado do falecido. As oferendas posteriores, a que alude o autor, hoje bastante simplificadas, não deixam de encerrar os mesmos objectivos, e ser um complemento do funeral: o morto não pode voltar, ele não pode perturbar a vida dos que estão em carne e osso.
Muitas pessoas, quando se vêem perturbadas e julgam que o facto se deve à presença de um ser invisível, dizem com frequência para o ar, pensando que estão a falar com a alma do outro mundo que supostamente os está a perturbar: “Diz o que queres e deixa-me em paz.” Há sempre uma identificação entre o sofrimento sem sentido ou sem razão aparente, e a presença de algo misterioso ou desconhecido, logo qualquer coisa oriunda do além.
Por outro lado, Deus também pode não estar satisfeito. Agradar às almas é garantir o agrado e as benesses de Deus. Quiçá alterar o Seu juízo a nosso respeito. Orar pelo morto, ofertar-lhe flores e acender-lhe velas por alma (hoje), é conquistar um espaço mental aproximativo de Deus, como era nos tempos medievais. É o medo de arder no fogo do inferno, das penas infinitas, de um Juízo Final intransigente e definitivo. Por isso, os mortos são seres sagrados assim como o espaço onde estão enterrados. “Um autor do século XVI reconhece que ‘os cemitérios não são simples sepulturas e reservatórios de corpos, mas antes são lugares santos ou sagrados, destinados às orações pelas almas dos falecidos que aí repousam’: lugares santos e sagrados, públicos e frequentados, e não impuros e solitários.” (ibid., p.55).
Esta concepção de morto e respectivo espaço onde jaz, o cemitério, não é partilhada pela Doutrina Espírita. Para o Espiritismo, sagrado é tudo quanto existe, vivente na vida terrena ou não, em idêntico grau de importância. E a razão é simples: o inferior caminha para o superior, expondo a perfeição de que é portador. Ele não acrescenta nada a si mesmo, apenas se despoja do que lhe causa sofrimento e dor.
Aliás, o conceito sagrado está praticamente excluído do léxico espírita, designando apenas o Universo no seu todo. O mundo é a comunidade dos filhos de Deus, e estes são tudo quanto existe.
Face ao exposto, urge reflectir mais seriamente sobre o que é um funeral?
Para o Espiritismo, é o momento da última prece ainda neste lado da vida, a primeira para a Entidade recém desencarnada. Momento de meditação, recolhimento e silêncio. A hora da grande reflexão, das lágrimas de saudade e também de esperança, palavras arrumadas nos recantos escondidos dos sentimentos mais puros. São os funerais marcos de reflexão profunda e exame interior ao que verdadeiramente nós somos nesta ilusão, apesar disso tão cheia de amor e que constitui a complexidade de toda a Criação.
Podemos dizer que o funeral, dentro dos moldes do respeito (prece e amor) é determinante para os momentos que se seguem ao desencarne. Ele vai contribuir para o alívio espiritual do desencarnado, a maior ou menor consciência da experiência que está a viver.
“ O Espírito assiste ao seu enterro?
_ Muito frequentemente o assiste. Mas algumas vezes não percebe o que se passa, se ainda estiver perturbado.
Fica lisonjeado com a concorrência ao seu enterro?
_ Mais ou menos, segundo o sentimento que provoca essa concorrência.” (KARDEC, A., o.c., p. 177, questões n.ºs 327-327-a).
Isto significa que, segundo o Espiritismo, o funeral é parte de uma despedida momentânea, nunca um adeus definitivo. Aquilo que desperta a tenção do desencarnado não é o ritual que lhe preside, mas os sentimentos que os participantes por ele manifestam.
Além disso, não se trata de uma entrega da alma ao mundo do Além, mas de uma despedida acompanhada de votos de progresso e luz. Tudo o resto está a cargo do desencarnado, o qual nunca dispensará o pensamento brando da prece.
Para ele, o número de pessoas no funeral não significa nada. Apenas o tipo de pensamento que estas nutram por ele. Não falta quem julgue que os grandes funerais são encontros mais conseguidos. Só o seriam se, na multidão, houvesse um silêncio profundo e, numa prece em uníssono, orassem com fervor pela alma do falecido. Aí, sim, quanto maior o número, maior a força.
Em suma, o funeral deve obedecer a regras espirituais muito precisas. Sintetizemo-las deste modo:
· estar em silêncio absoluto na sala mortuária;
· não falar do falecido, mesmo fora da mesma, pois isso perturba-o;
· orar pela alma do falecido bem como pelos amigos e inimigos do mesmo, principalmente no que se refere aos desencarnados;
· pedir a Deus para que os seus Guias espirituais estejam muito atentos, sempre presentes e nunca se afastem dele;
· não ter pensamentos rancorosos face a algum problema que tenha acontecido entre si e ele;
· ter um total espírito de perdão;
· torne a orar antes do corpo ser cremado, lançado à terra ou depositado no jazigo.
Embora dito de modos relativamente diferentes, é isto que o Espiritismo defende face à problemática em questão. Quanto mais simples o funeral, isto é, quanto mais desritualizado, por vezes fastidiosamente moroso, mais conseguido em seus objectivos espirituais. Tudo o que nos cansa a nós, simples encarnados, cansa igualmente, e muito mais, aos Espíritos.
Além disso, os Guias espirituais dos falecidos acompanham-nos no desencarne. Como se sabe, são Entidades muito ocupadas, que exercem um sem número de actividades, dão assistência a muita gente, quer do nosso plano terreno, quer espiritual, e, portanto, não têm o dia inteiro para estar ao nosso dispor. Por outro lado, o tempo de duração da cerimónia fúnebre não é representativo do amor que os familiares e amigos tenham por com ele. A nossa capacidade de amar não se mede à hora.

Barbara Diller

domingo, junho 01, 2008

MORTE É FELICIDADE XIII


A COMEMORAÇÃO DOS MORTOS

1. Funerais: componente sociológica
Os nossos funerais, ou melhor, as nossos comportamentos fúnebres, em relação a um falecido em dia de funeral, tocam a romaria, a comédia, uma expressão teatral com paralelo no teatro vicentino.
De facto, as personagens-tipo estão perfeitamente enquadradas nas melodias discursivas dos grupos sociais a que pertencem. A simplificação do rito transfere para o grupo fúnebre o lamento agora tornado semi-privado, mas sempre com alguma expressividade desonesta. A dor é transformada em personagem de relevo e o falecido, deitado dentro do caixão, alguém que se pensa poder vir a levantar-se a qualquer momento.
Assim, para que não restem dúvidas, temos situações deste género: a esposa, de preto profundo e lenço branco na mão, que durante toda a vida de casada foi maltratada, representa o papel de quem tem muita saudade do falecido marido, exibindo ostensivamente uma expressão de pesar por estar viúva; o marido, de fato castanho e gravata preta, saturado das birras da esposa mimada e exigente, finge ter perdido a mulher dos seus sonhos; o genro, de blusão de marca e gravatinha preta fininha, diz um adeus leve e saudavelmente feliz à sogra que assim vê, com os seus próprios olhos, partir de vez para a terra de São Nunca Mais; os herdeiros de fortuna considerável, vestidos a rigor no seu traje de executivo, silenciam em sinal de respeito contabilístico, calados, submissos e de porte cheio de personalidade, fazendo contas e meditando no montante que vão receber; os credores, desencolarinhados e de cabelos ao Deus dará, em pânico, apressam-se a conferenciar com os herdeiros, coitadinhos, cheios de mágoa porque o momentos não é para contas; o velho advogado da família, conhecedor de todos os devaneios dos seus membros, no seu fato diário e sem qualquer bonomia, pensa no testamento que irá ler brevemente e no quinhão que irá caber-lhe. Os pobres gritam, falam alto, rezam e jejuam.
A sala fúnebre é uma oficina de expressões dramáticas ao mais alto nível, mistura de géneros oscilando entre o medievo, o renascentista e o moderno, numa algazarra sentimental muito complexa e totalmente estranha à realidade do morto.
Não faltam rezas, misticismos franciscanos, apelos à Virgem, à Morte e Paixão de Jesus. Há cheliques, há abraços, comprimidos para a dor de cabeça, chá, biscoitos, casacos de malha se a noite está fria, ventoinhas se está quente... Os mais fortes pernoitam, os mais fracos vão até casa descansar, quem sabe fazer amor pois o nosso psiquismo é mesmo assim, muito embora o juiz de Camus· não concorde e condene a sua personagem à morte por ter feito amor no dia do funeral da mãe, entre outras coisas, claro.
Desconhecendo o fraco domínio do certo e do errado, a barreira do dever, o campo do valorativo, o surto expontâneo de animalidade, o juiz de Camus condenou a virilidade como se o luto construísse eunucos. O desejo de amor, seja ou não acompanhado de uma situação fúnebre, a saudade e o silêncio a que o velório faz apelo, provocam estados de espírito que não se compadecem com as normas impostas pela ignorância de quem pretende impor a via do recalque ao que de mais livre o homem possui.
A virilidade não pára só porque se está num funeral. Pelo contrário. Nos funerais todos se abraçam e beijam, até mesmo aqueles que estão de candeias às avessas. Há sempre um ombro para reclinar a cabeça e chorar, alguém que ao ouvido e muito docemente diz “Se precisares de alguma coisa, estou aqui.” Nos funerais todos se oferecem a todos, todos estão disponíveis para todos, principalmente para com os que mais de perto privavam com o falecido. O amor não vacila, os sentimentos exuberam-se.
Mas há a outra face. Se dantes os funerais eram celebrados com rezas prolongadas e enfadonhas, hoje são encontros de alegria de quem há muito se não vê, e aproveita o momento para matar saudades e estar em alegre cavaqueira. Não há ninguém que não tenha alegres histórias para contar, que não encontre o salutar e bom ambiente de convivas, assim como vivas e revivas ao morto. Tem que se perceber que o “Dai-lhe, Senhor, o eterno descanso” também é uma forma simplificada de dizer que ele viva e viva bem, porque para mal já bastou o que por cá passou.
Desta forma, há quem aproveite para contar anedotas, outros para marcar encontros triviais, tomar uma boa refeição no restaurante mais próximo do local do velório, outros dá-lhes para a meditação transcendental qual bebedeira chorona em bêbedo que dormiu ao relento, de castigo, porque a mulher não está para aturar carraspanas. “Para quê tanta ambição? Para quê tantas preocupações? Para quê a vingança? A vida não vale nada. De um momento para o outro fechamos os olhos e lá se vai tudo”, dizem os calculistas a puxar para o sentimento.
E assim se fala de tudo: de doenças e da negligência médica, de crianças que cresceram enquanto o diabo esfrega um olho, as mulheres falam de homens, os homens de mulheres, de maridos, de esposas, de divórcios; de namoricos e de namoros, de tantos amores que o assunto sobra para as criancinhas que estão a quase a nascer, mas sem pai. E depois, é claro, “Tudo se cria!”, exclama uma solteirona que ninguém esperava que ainda fosse viva e que, por espanto de todos, apareceu no funeral. “Se todos morremos um dia, por que não sentir que é um privilégio ser mãe, ainda que sozinha?”, insiste alguém de voz fina e aguda e de olhar pudico e estúpido. “A criancinha é um inocente de Deus e não tem culpa dos erros dos pais!”, e desta forma soberba de tanta luz, acabou de inventar uma verdade da mais elevada transcendência.
Terminado o funeral, acabou-se a reflexão metafísica e tudo continua exactamente como antes. Ninguém voltará a ver-se tão cedo, a não ser que entretanto morra mais algum, ou encontrar-se-ão apenas no lado de lá, na Terra da Verdade.
Ora, esta morte, este estar no funeral não é cristão. Perdido nas suas origens pagãs, a morte é um adeus a este mundo, perda de uma parcela da existência, a nossa vida física. Dizer que não vale a pena tanta ambição e tantas lutas significa que a morte é perda total do território, de um domínio sobre o mesmo, deixar de ter algo de seu. A morte retira-nos o que nos pertence dizendo-nos que não é nosso, nunca o foi e será daqueles que o destino quiser, impondo-se muito para além da nossa vontade testamentária.
Depois vêm as ofertas. Coroas e palmas de flores, a derradeira expressão artística para com aquele que parte, além de velas, rezas: o rito.
“ Na tradição pagã, faziam-se oferendas aos mortos para os acalmar e impedir de voltarem para o seio dos vivos. As intervenções dos vivos não se destinavam a melhorar a sua estada no mundo atenuado dos Infernos.” (ARIÈS, P., 2000, P.174).
E de facto é isto que nos parece que continua a prevalecer, a ser um dos objectivos principais do funeral. Resta sempre um medo de que a cerimónia fúnebre não seja do agrado do falecido. As oferendas posteriores, a que alude o autor, hoje bastante simplificadas, não deixam de encerrar os mesmos objectivos, e ser um complemento do funeral: o morto não pode voltar, ele não pode perturbar a vida dos que estão em carne e osso.
Muitas pessoas, quando se vêem perturbadas e julgam que o facto se deve à presença de um ser invisível, dizem com frequência para o ar, pensando que estão a falar com a alma do outro mundo que supostamente os está a perturbar: “Diz o que queres e deixa-me em paz.” Há sempre uma identificação entre o sofrimento sem sentido ou sem razão aparente, e a presença de algo misterioso ou desconhecido, logo qualquer coisa oriunda do além.
Por outro lado, Deus também pode não estar satisfeito. Agradar às almas é garantir o agrado e as benesses de Deus. Quiçá alterar o Seu juízo a nosso respeito. Orar pelo morto, ofertar-lhe flores e acender-lhe velas por alma (hoje), é conquistar um espaço mental aproximativo de Deus, como era nos tempos medievais. É o medo de arder no fogo do inferno, das penas infinitas, de um Juízo Final intransigente e definitivo. Por isso, os mortos são seres sagrados assim como o espaço onde estão enterrados. “Um autor do século XVI reconhece que ‘os cemitérios não são simples sepulturas e reservatórios de corpos, mas antes são lugares santos ou sagrados, destinados às orações pelas almas dos falecidos que aí repousam’: lugares santos e sagrados, públicos e frequentados, e não impuros e solitários.” (ibid., p.55).
Esta concepção de morto e respectivo espaço onde jaz, o cemitério, não é partilhada pela Doutrina Espírita. Para o Espiritismo, sagrado é tudo quanto existe, vivente na vida terrena ou não, em idêntico grau de importância. E a razão é simples: o inferior caminha para o superior, expondo a perfeição de que é portador. Ele não acrescenta nada a si mesmo, apenas se despoja do que lhe causa sofrimento e dor.
Aliás, o conceito sagrado está praticamente excluído do léxico espírita, designando apenas o Universo no seu todo. O mundo é a comunidade dos filhos de Deus, e estes são tudo quanto existe.
Face ao exposto, urge reflectir mais seriamente sobre o que é um funeral?
Para o Espiritismo, é o momento da última prece ainda neste lado da vida, a primeira para a Entidade recém desencarnada. Momento de meditação, recolhimento e silêncio. A hora da grande reflexão, das lágrimas de saudade e também de esperança, palavras arrumadas nos recantos escondidos dos sentimentos mais puros. São os funerais marcos de reflexão profunda e exame interior ao que verdadeiramente nós somos nesta ilusão, apesar disso tão cheia de amor e que constitui a complexidade de toda a Criação.
Podemos dizer que o funeral, dentro dos moldes do respeito (prece e amor) é determinante para os momentos que se seguem ao desencarne. Ele vai contribuir para o alívio espiritual do desencarnado, a maior ou menor consciência da experiência que está a viver.
“ O Espírito assiste ao seu enterro?
_ Muito frequentemente o assiste. Mas algumas vezes não percebe o que se passa, se ainda estiver perturbado.
Fica lisonjeado com a concorrência ao seu enterro?
_ Mais ou menos, segundo o sentimento que provoca essa concorrência.” (KARDEC, A., o.c., p. 177, questões n.ºs 327-327-a).
Isto significa que, segundo o Espiritismo, o funeral é parte de uma despedida momentânea, nunca um adeus definitivo. Aquilo que desperta a tenção do desencarnado não é o ritual que lhe preside, mas os sentimentos que os participantes por ele manifestam.
Além disso, não se trata de uma entrega da alma ao mundo do Além, mas de uma despedida acompanhada de votos de progresso e luz. Tudo o resto está a cargo do desencarnado, o qual nunca dispensará o pensamento brando da prece.
Para ele, o número de pessoas no funeral não significa nada. Apenas o tipo de pensamento que estas nutram por ele. Não falta quem julgue que os grandes funerais são encontros mais conseguidos. Só o seriam se, na multidão, houvesse um silêncio profundo e, numa prece em uníssono, orassem com fervor pela alma do falecido. Aí, sim, quanto maior o número, maior a força.
Em suma, o funeral deve obedecer a regras espirituais muito precisas. Sintetizemo-las deste modo:
· estar em silêncio absoluto na sala mortuária;
· não falar do falecido, mesmo fora da mesma, pois isso perturba-o;
· orar pela alma do falecido bem como pelos amigos e inimigos do mesmo, principalmente no que se refere aos desencarnados;
· pedir a Deus para que os seus Guias espirituais estejam muito atentos, sempre presentes e nunca se afastem dele;
· não ter pensamentos rancorosos face a algum problema que tenha acontecido entre si e ele;
· ter um total espírito de perdão;
· torne a orar antes do corpo ser cremado, lançado à terra ou depositado no jazigo.
Embora dito de modos relativamente diferentes, é isto que o Espiritismo defende face à problemática em questão. Quanto mais simples o funeral, isto é, quanto mais desritualizado, por vezes fastidiosamente moroso, mais conseguido em seus objectivos espirituais. Tudo o que nos cansa a nós, simples encarnados, cansa igualmente, e muito mais, aos Espíritos.
Além disso, os Guias espirituais dos falecidos acompanham-nos no desencarne. Como se sabe, são Entidades muito ocupadas, que exercem um sem número de actividades, dão assistência a muita gente, quer do nosso plano terreno, quer espiritual, e, portanto, não têm o dia inteiro para estar ao nosso dispor. Por outro lado, o tempo de duração da cerimónia fúnebre não é representativo do amor que os familiares e amigos tenham por com ele. A nossa capacidade de amar não se mede à hora.

· L’ Étranger.

(Continua)

Barbara Diller